quarta-feira, 29 de abril de 2015


DOENÇA DE PARKINSON: ETIOPATOGENIA , CLÍNICA E TERAPÊUTICA

Antonio Luiz S. Werneck
Doutor em Clínica Médica (Área de Concentração Neurologia) - UFRJ; Professor de Neurologia - Faculdade de Medicina da Fundação Souza Marques e Faculdade de Medicina da Unesa.
Resumo

A doença de Parkinson (DP) se caracteriza pela perda de células da parte compacta da substância nigra e o depósito de α-sinucleína que irá se agregar em áreas específicas do tronco cerebral, da medula espinhal e de regiões corticais. Como não existe nenhum exame complementar que confirme o diagnóstico, o conhecimento clínico e a perspicácia são as chaves para o diagnóstico. O critério diagnóstico requer, pelo menos, dois de três sintomas motores: tremor, rigidez e bradicinesia. Os sintomas neuropsiquiátricos e autonômicos constituem um importante problema entre os parkinsonianos. As causas são desconhecidas, embora fatores de risco tóxicos estejam sendo descobertos. A susceptibilidade genética principalmente ao gene α-synucleina leucine rich repeat kinase 2 (LRRK-2) é um outro importante fator causal. O tratamento precoce com agonistas dopaminérgicos e inibidores da MAO-B podem causar benefício sintomático e retardar o início da levodopaterapia. Neste texto, foi feita uma revisão sobre a patogenia e os problemas clínicos da DP.

Descritores: Doença de Parkinson; Etiologia; Clínica; Tratamento.


Abstract

Parkinson's disease (PD) is characterised by the presence of severe pars-compacta nigral-cell loss, and accumulation of aggregated α-synuclein in specific brainstem, spinal cord, and cortical regions. Because no diagnostic test exists for PD, clinical knowledge and skill are the key to make an early, accurate diagnosis. Diagnostic criteria for PD require at least two of three motor signs: tremor, rigidity, or bradykinesia. Neuropsychiatric and autonomic symptoms are increasingly recognised as a significant problem in parkinsonians. The causes are unknown though risk factors in the toxic domain are being discovered. Susceptibility genes including α-synuclein, leucine rich repeat kinase 2 (LRRK-2) have shown that genetic predisposition is another important causal factor. Early treatment of PD with agents such as dopamine agonists and monoamine oxidase type B inhibitors can provide symptomatic benefit and delay initiation of levodopa therapy. Here an overview of the pathogenesis and clinical problems of PD will be given.

Keywords: Parkinson´s disease, Etiology, Clinical, Treatment.

INTRODUÇÃO

Durante o ano de 1804, James Parkinson (1755-1824) escrevia panfletos denunciando a violência infantil que observava nas ruas e residências de Londres; fato que o fez tornar-se, possivelmente, o primeiro médico, ou, certamente, um dos primeiros médicos a fazer este tipo de denúncia1. No ano de 1817, quando ainda não se conhecia o exame neurológico, Parkinson provavelmente usou desta mesma perspicácia ao descrever três de seus seis casos em indivíduos que caminhavam pelas ruas de Londres. Modestamente, ele denominou esta doença de "paralisia agitante". Charcot e Vulpian corrigiram esta lacuna histórica ao escreverem, em 1864, na Gazette Hebdomadaire, o texto "De la paralisie agitante", denominando-a doença de Parkinson2.

A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais comum em todo o mundo, caracterizando-se por sintomas motores, entre estes bradicinesia, tremor postural e/ou de repouso, rigidez plástica e distúrbios posturais. Sintomas sensitivos, sensoriais, mentais e autonômicos complementam esta síndrome. Seus marcadores patológicos incluem a perda de neurônios da área compacta da substância nigra e o acúmulo de α-sinucleína no córtex cerebral, no tronco cerebral e na medula espinhal. Sob o aspecto fisiopatológico, pode ser considerada como uma doença ocasionada por alterações funcionais dos sistemas dopaminérgico, noradrenérgico, serotoninérgico e colinérgico.

A incidência aumenta com a idade, variando entre as idades de 17, 4/100.000 indivíduos entre 50 e 59 anos, a 1/100.000 para aqueles nas idades de 70 a 79 anos3. Entre os fatores de risco, estudos mostram que, por conta da menor liberação de dopamina, a ausência de tabagismo aumenta em duas vezes a chance de desenvolver a doença4, enquanto a ingestão de cafeína, por aumentar os níveis de dopamina, contribui para reduzir a taxa de risco em 25%5.


FISIOPATOLOGIA

Em 1912, Friedrich Heinrich Lewy 6 descreveu, pela primeira vez, os corpos de inclusão intracelulares que passaram a se constituir no principal sinal patológico da DP. Atualmente, sabe-se que os corpos de Lewy são encontrados no interior dos neurônios, consistindo de neurofilamentos com agregados de α-sinucleína e ubiquitina. Em 2007, Wakabayashi e cols. postularam que estes corpúsculos de inclusão não estariam relacionados com a causa da doença, mas sim com sua sintomatologia7. No ano de 1919, Tretiakoff relatou a perda de células pigmentadas na área compacta da substância nigra em vítimas da forma encefalítica da DP6.

Em 1986, Jellinger6 conceituou que a DP caracteriza-se por perda de neurônios assimétrica ou unilateral das porções caudais e centrais da parte compacta da substância nigra, acrescentando-se que esta perda também ocorreria no locus coeruleus, no núcleo dorsal do vago e no núcleo basal de Meynert. Em 82 a 100% dos casos, existem depósitos de corpos de Lewy em vários núcleos aminérgicos localizados em regiões subcorticais e medulares, assim como na cadeia ganglionar simpática e no córtex cerebral.

Durante muitos anos, acreditou-se que a perda neuronal progressiva provocava, exclusivamente, diminuição da função dopaminérgica no eixo substância nigraestriado. Esta disfunção conduziria a alterações funcionais nas conexões dos gânglios da base com o córtex cerebral, o que determinaria o aparecimento dos sintomas motores da doença. Entretanto, apesar deste importante déficit dopaminérgico, acredita-se que outros neurotransmissores podem estar envolvidos na fisiopatologia dos sintomas da DP. De acordo com o sistema de neurotransmissores, as principais áreas identificadas por Jellinger6 foram: a) Sistema dopaminérgico: a degeneração neuronal afeta as vias mesolímbica, mesocortical e nigroestriatal. Na DP, o dano às vias mesolímbica e mesocortical é confirmado quando se constata que há redução de 36 a 55% dos neurônios da área tegmental ventral (ATV). Na substância nigra, a perda variável é de 50 a 85% de neurônios pigmentados. O grau de perda de neurônios na substância nigra no estriado e na ATV está relacionado com a redução de dopamina e do ácido homovanílico, e ainda da atividade da enzima tirosina-hidroxilase. b) Sistema noradrenérgico: olocus coeruleus tem perda de 50 a 80% de neurônios pigmentados. Como também são observadas reduções de neurônios no núcleo dorsal do vago e nos núcleos hipotalâmicos supraóptico e paraventricular, esta perda é acompanhada de diminuição de função das projeções noradrenérgicas; c)Sistema serotoninérgico: foi observada perda de 57,8% de neurônios no núcleo dorsal da rafe; d)Sistema colinérgico: entre os demenciados, observa-se redução de 50 a 60% de neurônios colinérgicos no núcleo dorsal da rafe.

Em 2003, um estudo feito por Braak e cols.8 revelou que a doença se inicia no plexo autonômico gástrico de Meissner e nas terminações neurais olfatórias, daí se propagando para o tronco cerebral, particularmente, o mesencéfalo. No mesencéfalo, mais precisamente, nos núcleos dorsais do vago, no núcleo do glossofaríngeo, no núcleo olfatório e na área intermédia. Em seguida, a evolução pode ser dividida em mais cinco etapas: 1 - núcleos da rafe, núcleo gigantocelular e locus coeruleus; 2 - parte compacta da substância nigra; 3 - áreas prosencefálicas do mesocórtex temporal; 4 - áreas de associação do neocórtex frontal; 5 - áreas de associação do neocórtex, áreas pré-motora e motora.


ETIOLOGIA

A principal hipótese para a causa da DP é a de que indivíduos com predisposição genética, ao serem expostos a agentes tóxicos do meio ambiente, teriam as condições necessárias para desenvolverem a doença.

Sabe-se que a maioria dos casos de DP não tem causa definida, sendo diagnosticados como DP idiopática. No entanto, pacientes que possuem parentes de primeiro grau com DP têm duas a três vezes mais chance de desenvolver a doença. A primeira menção sobre a participação da genética na DP foi feita em 1893 por Gowers9 ao observar que 15% de seus pacientes tinham familiares com tremor isolado ou parkinsonismo. Em 1949, Mjönes10 descreveu, pela primeira vez, casos ocorridos na mesma família, propondo que a doença teria um traço autossômico dominante com 60% de penetração.

Apenas poucos genes foram identificados como causa de DP familiar. No entanto, as taxas de concordância entre pares monozigóticos e dizigóticos demonstraram que esta taxa é semelhante quando a DP foi diagnosticada acima da idade de 50 anos11. Por outro lado, os estudos com FDOPA-PET podem mostrar uma forma latente da DP em gêmeos que ainda não desenvolveram a doença, demonstrando que a perda da função dopaminérgica é maior em gêmeos monozigóticos em relação aos dizigóticos12.

Inúmeros estudos indicaram que existem, pelo menos, sete genes relacionados com a DP. A αα-sinucleína foi o primeiro gene identificado como causador da mutação associada à DP, e é o principal constituinte dos corpos de Lewy. Até o momento, foram descritas seis mutações no gene leucine-rich repeat kinase 2 (LRRK2), sendo a mutação G2019S a mais prevalente por ter ocorrido em 1 a 25% da forma idiopática da DP, e em 4% da forma hereditária13. Os achados mais recentes sobre outros genes envolvidos em formas de início precoce são o PINK1, o DJ-1 e o ATP13A2. São genes com caráter recessivo e não estão relacionados com os corpos de Lewy. Os três principais mecanismos que podem causar DP relacionados com estas mutações são: 1- defeitos mitocondriais; 2- anormalidades do estresse oxidativo; 3- falha do sistema proteossoma-ubiquitina14.

1. Defeitos mitocondrais: A hipótese da participação de toxinas externas pode estar relacionada com os primórdios da descoberta da DP, que somente foi definida como doença a partir das observações de Parkinson em 18172. Existem poucas referências sobre possíveis sintomas parkinsonianos antes da descrição de Parkinson. William Shakespeare (1564-1616) escreveu na tragédia Troilo e Créssida: Ulisses diz: "A tossir e a cuspir começa Pátroclo, e a mexer no gargol com a mão trêmula, que ele aperta e desata". No texto de seu célebre ensaio sobre a paralisia agitante, Parkinson fez menção a Boissieur de Sauvages acreditando que este já conhecia a doença um século antes da sua descrição, já que Sauvages relatou, em 1768, dois casos de pacientes idosos com marcha semelhante à festinante, então chamada por este autor de sclerotibes festinans. Diante de tão poucas citações sobre os sintomas motores da DP antes da descrição de Parkinson, como então entender o porquê de uma doença tão visível como esta não ter sido relatada antes do século XIX? Talvez a condição genética de alguns indivíduos, na ausência de fatores do meio ambiente, tenha reduzido o número de casos possíveis. Coincidência ou não, a Revolução Industrial começou no final do século XIX, e ainda, no ano de 1665 teve início justamente na Inglaterra a produção de gás combustível proveniente do carvão, material rico em substâncias que aumentam o risco de parkinsonismo, entre estas: petróleo, tolueno, monóxido de carbono e sulfeto de carbono. Reconhece-se que este tipo de toxina externa provoca estresse oxidativo nos neurônios da substância nigra e interferem com a cadeia enzimática respiratória mitocondrial15.

O início da hipótese ambiental para a etiologia da DP ocorreu em 1979, quando Davis e cols.16 descreveram o caso de um paciente de 19 anos de idade que durante 4 a 6 meses tentava sintetizar análogos da meperidina, além de fazer, periodicamente, autoinjeção intravenosa destes compostos. Utilizando-se de doses maiores em intervalos menores, este indivíduo desenvolveu parkinsonismo agudo e irreversível. Ao falecer dois anos mais tarde, sua necropsia mostrou destruição da porção caudal da área compacta da substância nigra, com pigmento de melanina dentro da micróglia, astrocitose reacional e ainda a presença de corpos de Lewy subcorticais.

Em 1983, Langston e cols.17 identificaram a substância causadora deste tipo de parkinsonismo quando descreveram mais quatro casos idênticos em usuários de "heroína sintética". Foi atribuído ao composto 1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetra-hidropiridina (MPTP) a origem desta síndrome parkinsoniana. Posteriormente, verificou-se que esta substância estava presente em alguns herbicidas e pesticidas, o que gerou um número enorme de pesquisas epidemiológicas sobre este tema. Em um destes artigos, Barbeau e cols.18, avaliando os arquivos de pacientes residentes na província de Québec, Canadá, encontraram prevalência maior da doença entre aqueles que moravam em fazendas com hortas e jardins, onde os habitantes destas áreas faziam a ingestão de água de poço contaminadas por herbicidas e pesticidas. Em 1988, Thiessen e cols.19 examinaram 20 necropsias de casos que não tinham recebido o diagnóstico de nenhuma doença neurológica. Verificou-se que a contagem de neurônios era 83% menor na substância nigra do cérebro de 10 individuos que viveram em áreas rurais expostos a agrotóxicos, quando comparados com outros 10 que passaram o mesmo período em zona urbana.

Diversos estudos propuseram que o mecanismo pelo qual o MPTP atuaria se basearia na ação do seu precursor MPP+, uma substância que se acumula nos neurônios dopaminérgicos inibindo a cadeia enzimática NADH-ubiquinona redutase (NADQ Co Q1 redutase ou complexo I) da membrana mitocondrial. Este tipo de ação conduziria à morte neuronal. Schapira e cols.15 demonstraram que o grupo de enzimas que forma o sistema complexo I encontra-se diminuído em cerca de 42% na substância nigra de indivíduos que tiveram DP. A ausência da deficiência do complexo I no caudado demonstrou que a lesão ocorreu no neurônio da substância nigra, e não em suas projeções para o caudado.

Além do MPTP, outros agentes químicos do meio ambiente foram relacionados com o parkinsonismo e com a própria DP. Entre estes estão: monóxido de carbono, óxido de etileno, tolueno, n-hexano, petróleo, mercúrio, nitrometano, tetracloreto de carbono, sulfeto de carbono, metanol, manganês e cianureto. Do mesmo modo, medicamentos como antagonistas do cálcio, lítio, antidepressivos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), amiodarona, neurolépticos e quimioterápicos. Como muitas destas substâncias reproduzem a fisiopatologia do MPTP, a exposição de indivíduos com predisposição genética para a DP, inevitavelmente, as transforma em fatores de risco para a DP.

2. Anormalidades do estresse oxidativo: A glutationa é uma das enzimas utilizada pela célula para defender-se de radicais livres que se comportam como toxinas internas. Esta ação é do tipo antioxidativa por retirar peróxido de hidrogênio do espaço intracelular. Em 1989, Riederer e cols.20 evidenciaram que o nível de glutationa encontra-se diminuído na substância nigra de parkinsonianos. Estas alterações também ocorriam no putâmen, globo pálido, núcleo basal de Meynert, núcleo amigdaloide e córtex frontal.

3. Falha do sistema proteossoma-ubiquitina: Os proteossomas são grandes complexos proteicos intracelulares que têm a função de degradar proteínas desnecessárias ou destruídas, e ainda atuar na concentração de alguns tipos de proteínas. O processo de degradação forma peptídeos que podem se subdividir em aminoácidos, que servirão de base para a síntese de novas proteínas. Uma vez degradadas, as proteínas formam uma pequena proteína, a ubiquitina. Vários estudos sugerem que falhas neste sistema de eliminação proteica podem contribuir para a lise celular que ocorre no desenvolvimento do parkinsonismo. Em algumas formas hereditárias de DP, mutações em componentes deste sistema estariam associadas à etiopatogenia da doença21. Outro mecanismo possível estaria relacionado com a participação de toxinas do meio ambiente sobre este sistema. Estas aumentariam os níveis de α-sinucleína contribuindo para a formação de corpos de Lewy, resultando na inibição do sistema proteossoma-ubiquitina22.


CLÍNICA

Sintomas motores

Dois tipos de tremor podem ser encontrados na DP: repouso e postural.

O tremor de repouso tem frequência de 4 a 6 Hz, afetando principalmente os membros superiores. Embora infrequente, o aparecimento isolado do tremor postural na DP o torna indistinguível do tremor essencial. Em alguns pacientes, o tremor pode estar ausente constituindo o tipo acinético-rígido da DP.

A bradicinesia é responsável por uma série de sintomas, tais como: hipomimia facial, diminuição da fre-quência do pestanejar, disartria com hipofonia, períodos de injustificadas pausas no ato de falar e redução da movimentação dos membros superiores durante a marcha.

Toda a musculatura estriada está afetada por uma rigidez uniforme denominada plástica, podendo estar acompanhada do sinal da roda dentada, uma crepitação periarticular percebida durante a pesquisa do tônus muscular. A rigidez e a bradicinesia dos músculos da deglutição constitui um grave problema nos estágios mais avançados da doença.

Com a evolução, a marcha apresenta-se do tipo festinante, com evidente desequilíbrio postural. A causa deste distúrbio está relacionada à acentuação da propulsão e da retropulsão do tronco, tratando-se de um sintoma que evolui provocando quedas e grande limitação motora.

O diagnóstico clínico da DP pode ser estabelecido quando se observa um progresso lento destes sintomas sem nenhuma outra causa aparente. Bradicinesia, rigidez plástica e tremores apresentam-se quase sempre visivelmente assimétricos no início da doença. A boa resposta clínica à levodopaterapia é de grande auxílio para a confirmação diagnóstica.

Sintomas sensitivos

Entre os sensitivos, sabe-se que, aproximadamente, 40% dos pacientes se apresentam com dor e dormência, local ou generalizada.

Sintomas disautonômicos

Aí estão incluídos: constipação in14 Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ testinal, hipotensão ortostática, sialorreia, impotência sexual e sudorese. Principalmente a constipação intestinal pode anteceder em anos ao aparecimento dos sintomas motores.

Movimentos involuntários

A mioclonia e a distonia podem aparecer e desaparecer em diferentes fases da doença, podendo estar associadas ao uso da levodopaterapia.

Sintomas psiquiátricos 

As técnicas modernas para o diagnóstico da depressão e das funções mentais superiores não estavam ao alcance de James Parkinson em 1817. Deste modo, ele assim se referiu em relação aos sintomas mentais: "The senses and intellects being uninjured".

Uma pesquisa sobre a comorbidade nos sintomas psiquiátricos na DP demonstrou que apenas 12% dos pacientes não apresentavam nenhum destes sintomas 23. Constatou-se que, pelo menos, 55% dos parkinsonianos tinham dois ou mais destes sintomas, enquanto 25% tinham quatro ou mais. O aumento da comorbidade com os sintomas motores estava significativamente correlacionado com a maior gravidade da doença.

Em uma amostra com 139 par- kinsonianos, Aarsland e cols.24 verificaram que 61% destes apresentavam, pelo menos, um sintoma psiquiátrico. De acordo com a frequência, os sintomas estavam assim distribuídos: depressão (38,1%), alucinações (26,6%), ansiedade (20,1%), apatia (16,5%), agitação (16,5%), ilusões (15,8%), comportamento exuberante (10,8%), irritabilidade (10,1%), desinibição (6,5%) e euforia (0,7%). Muitos pacientes apresentavam depressão coincidindo com o estágio off, contrastando com hipomania ou euforia, que predominavam no estágio on.

Os sintomas ansiosos podem ser acompanhados de manifestações obsessivo-compulsivas, onde o jogo patológico pode ser uma destas. Segundo o critério DSM-IV, o jogo patológico pode ser classificado como uma doença de controle dos impulsos que se caracteriza por "uma falha a resistir ao impulso de jogar, apesar das consequências familiares e pessoais". De um modo geral, identificou-se que o distúrbio pode se iniciar logo após o diagnóstico da doença, estando aumentado nos períodos on.

Os principais sintomas associados à depressão na DP preenchem o mesmo quadro clínico da depressão em geral, ou seja, diminuição do humor, desinteresse pelas atividades prazerosas, pensamentos pessimistas, exacerbação da culpabilidade, letargia, distúrbios do sono, perda do apetite, emagrecimento, ansiedade e ideação suicida. Talvez, devido aos poucos estudos relacionados à depressão na DP, sempre se teve a ideia de que os sintomas depressivos que ocorrem nesta doença são menos intensos do que na depressão de um modo geral. No entanto, um estudo recente de Nazem e cols.25 encontrou a presença de ideação de morte em 28% de 116 parkinsonianos que não tinham o diagnóstico de depressão. A ideação suicida apareceu em 11% dos indiví-duos, e, entre estes, 4% já haviam feito, pelo menos, uma tentativa de suicídio. Em alguns pacientes, os sintomas depressivos podem preceder, em alguns anos, ao aparecimento da doença.

Os distúrbios do sono são frequentes na DP, estando entre estes: insônia, ataques do tipo narcolepsia durante o dia, sonhos atípicos e alterações funcionais do sono REM. Os distúrbios do sono REM podem também anteceder em anos ao aparecimento dos sintomas motores.

O acompanhamento clínico de parkinsonianos demonstra que a perda cognitiva leve é um sintoma constante, que ocorre desde os primeiros anos da doença. Assim sendo, a tendência é a de evolução lenta para a demência. Independente da DP, sempre se deve considerar a participação da demência no diagnóstico da depressão de um modo geral, já que os surtos de depressão são mais intensos em pacientes que apresentam prejuízo da função cognitiva. Burke e cols.26 assinalaram algumas características dos parkinsonianos que cursam com depressão e perda cognitiva: a) alguns pacientes apresentam pouca perda cognitiva quando submetidos a testes neuropsicológicos. Outros têm perda moderada, no entanto, sem caracterizar demência. Além disto, fatores como a idade no início da doença, a gravidade dos sintomas motores e as complicações medicamentosas podem influenciar no resultado final da investigação da perda cognitiva; b) os indivíduos podem apresentar compreensão irregular dos testes e redução da recordação imediata após um espaço de tempo, embora apresentem capacidade gnóstica normal; c) surgem dificuldades para a realização de testes relacionados com a memória implícita; d) a concentração e a atenção estão prejudicadas, principalmente quando há maior atividade complexa envolvida, o que acaba por reduzir a atividade intelectual dos indivíduos; e) embora a linguagem esteja preservada, a fluência verbal e o entendimento podem estar comprometidos.

Os sintomas psicóticos na DP podem ocorrer como comorbidade, mas podem estar associados ao próprio tratamento antiparkinsoniano. A perda cognitiva e o aparecimento de depressão são fatores de risco para as alucinações, quase sempre visuais. Em uma meta-análise sobre estudos epidemiológicos na DP, Molho e Factor27 obtiveram a média de 30,8% para sintomas psicóticos em 1322 casos de DP. Neste estudo, foi descrita a clínica dos sintomas psicóticos na DP com as seguintes características: a) geralmente, as alucinações se caracterizam por imagens de pessoas ou de animais; b) raramente, surgem alucinações olfativas, auditivas e táteis; c) algumas vezes, os pacientes apresentam alucinoses ou ilusões, estas cursando com pensamento paranoide associado.

O diagnóstico diferencial da DP deve ser, principalmente, feito com doenças que se apresentam com par-kinsonismo associado a alguns sintomas que não ocorrem ou que surgem em fases diferentes da DP. A demência de corpo de Lewy se apresenta com perda cognitiva e alucinações visuais de início precoce. A paralisia supranuclear progressiva, geralmente, inicia-se com quedas, posteriormente, surge paralisia do olhar conjugado vertical e retrocollis. A atrofia sistêmica múltipla apresenta-se com incontinência urinária, síncopes, impotência sexual e síndrome piramidal já nas fases iniciais da doença. Além disto, estas doenças geralmente não respondem, ou respondem muito pouco à levodopaterapia.

O parkinsonismo vascular costuma iniciar-se com distúrbio da marcha. O início em idade avançada, a história de isquemias prévias ou a imagem de lacunas na ressonância magnética favorecem o diagnóstico.

Outros sintomas

A hiposmia e a dermatite seborreica podem se apresentar antes dos sintomas motores. A hiposmia precoce está relacionada com a falta de dopamina em estruturas como o úncus e o tubérculo olfatório.


TRATAMENTO

Até os dias de hoje, a levodopaterapia ainda é a melhor terapêutica para a doença. A maioria dos artigos recentes indica que esta forma de tratamento deve começar logo após o diagnóstico da DP. Nesta fase inicial, a levodopa deve ser administrada na dosagem de 250 a 600mg/dia em conjunto com a benzerazida ou a carbidopa, ambas antagonistas da descarboxilase periférica (ADA). Nos últimos anos, a entacapona foi associada a este esquema. Trata-se de uma substância inibidora da catecol-o-metil-transferase, com resultados iniciais indicando uma discreta superioridade em relação à fórmula que utiliza apenas ADA. O uso crônico da levodopaterapia favorece o aparecimento de flutuações motoras e de movimentos involuntários como coreia e distonia, sintomas de difícil controle terapêutico.

A selegilina (5 a 10mg/dia) e a rasagilina (1 a 2mg/dia) são substâncias inibidoras da monoamino-oxidase que podem ser usadas desde o início da doença. Pesquisas recentes indicam para um possível efeito neuroprotetor da rasagilina28. A amantadina é um fármaco com ação anticolinérgica que também pode ser usada no início do tratamento, porém inevitavelmente agrava a constipação intestinal, além de, pelo menos possivelmente, contribuir para a perda cognitiva.

O estímulo dos agonistas dopaminérgicos sobre os receptores D2 justifica o emprego de agonistas dopaminérgicos nos sintomas motores da doença. O emprego de agonistas dopaminérgicos não ergolínicos como o pramipexol, ropinirol e piribidil trazem grandes benefícios como auxiliares à levodopaterapia. No entanto, podem antecipar o início das discinesias, além de desencadear ou agravar os sintomas psicóticos.

A apomorfina subcutânea pode reduzir a possibilidade de efeitos discinésicos e off da levodopaterapia. A utilização da levodopa por gastrojejunostomia poderia ter resultados semelhantes para aqueles pacientes que não suportassem possíveis efeitos colaterais da apomorfina, como sedação e hipotensão ortostática.

Os distúrbios posturais são um dos mais difíceis sintomas a serem tratados na DP, mas podem ser reduzidos com o auxílio da fisioterapia motora. Embora a fisioterapia motora esteja indicada para a rigidez e a bradicinesia, talvez o seu maior benefício esteja no trabalho da memória motora para a recuperação do equilíbrio postural.

Em alguns pacientes cujos sintomas motores evoluem muito rapidamente ou que apresentam graves discinesias, pode estar indicada a cirurgia estereotáxica através da estimulação do núcleo subtalâmico de Luys ou do globo pálido medial. Algumas complicações podem surgir deste tipo de procedimento, entre elas: depressão, abulia, afasia motora e disfonia.

Os sintomas de perda cognitiva podem ser tratados com antiacetilcolinesterásicos, já que a doença cursa com déficit colinérgico.

Devem ser utilizados medicamentos específicos para os sintomas psiquiátricos. O receptor 5-HT2c tem atuação antagonista dopaminérgica. Por terem atuação agonista inversa sobre este receptor, a quetiapina e a clozapina são indicadas para o tratamento dos sintomas psicóticos na DP. Estas substâncias reduzem, substanciamente, os efeitos parkinsonianos provocados pelos neurolépticos de primeira geração.

Vários estudos indicam o uso de tricíclicos e inibidores seletivos de recaptação (ISRS) na depressão da DP. Entretanto, até o ano de 2003, havia exatamente 100 artigos relacionados a agravamento de sintomas motores em parkinsonianos, após o uso de ISRS29, efeito atribuído às suas ações agonistas 5-HT2c. Por outro lado, os tricíclicos possuem ação anticolinérgica, assim sendo, sua utilização crônica pode agravar o já presente déficit de acetilcolina existente na DP, contribuindo para a evolução da perda cognitiva.

A utilização de um agonista dopaminérgico poderia trazer benefícios para os sintomas depressivos. Entre os receptores dopaminérgicos responsáveis pela ação antidepressiva destes fármacos sobressai-se o D3, situado na via mesolímbica. Trata-se de uma via que se inicia no mesencéfalo ventral e termina no núcleo acumbens (Acb) e na amídala, sendo uma das responsáveis pelo sistema de recompensa. Entretanto, este tipo de fármaco contribui para o aparecimento de sintomas psicóticos, e o efeito secundário de sonolência pode aprofundar a apatia. Talvez a saída esteja no uso de antidepressivos com ação antagonista 5-HT2c como a mirtazapina e a trazodona30, ou ainda a bupropiona, um fármaco com ação inibidora da recaptação de dopamina.


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