Pilates: notas sobre aspectos históricos,
princípios, técnicas e aplicações
Daniela Cardoso Pires*
Cloud Kennedy Couto de Sá**
cloud@fsba.edu.br
(Brasil)
*Fisioterapeuta pela EBMSP, Formação em Pilates, Bahia
** Licenciado em Educação Física e Mestre em Nutrição - UFBA,
Professor de Fisiologia do Exercício FSBA e UESB, Bahia
Faculdade Social da Bahia - Laboratório de Pesquisa do Exercício
IntroduçãoConsiderando o acúmulo de evidências em torno da atividade física, é indiscutível a importância de um estilo de vida ativo a promoção de saúde e de melhor qualidade de vida para todos os gêneros e idades.Tradicionalmente, tem-se enfatizado a importância dos exercícios contínuos para a promoção de saúde. Entretanto, nos últimos anos tem sido também demonstrada a necessidade do treinamento contra-resistência para proporcionar efeitos benéficos sobre a aptidão muscular (força e resistência), metabolismo, função cardiovascular, fatores de risco e bem estar (POLLOCK et al., 2000).Dentre as formas de treinamento contra resistência, o método Pilates surge como forma de condicionamento físico particularmente interessado em proporcionar bem-estar geral ao indivíduo, sendo assim capaz de proporcionar força, flexibilidade, boa postura, controle, consciência e percepção do movimento (BLUM, 2002).Nos momentos atuais, percebe-se uma expansão de adeptos do Pilates por todo o mundo (LATEY, 2001; GALLAGHER e KRYZANOWSKA, 2000), e um número crescente de livros texto vem sendo publicado sobre o método. No entanto, há uma nítida carência de evidências científicas sobre as proposições do Pilates.Este artigo tem como objetivo principal caracterizar o Pilates a partir de uma síntese dos seus princípios, técnicas, aspectos históricos e conceituais e das suas atuais aplicações, intencionando assim estimular o investimento em novos estudos que busquem comprovações e sistematizações deste método.
Considerações históricasJoseph Hubertus Pilates (1880-1967) nasceu próximo a Dusseldorf, Alemanha. Sua infância foi marcada pela fragilidade de seu estado de saúde, quando apresentou asma, raquitismo e febre reumática. Devido a isto, ainda jovem decidiu se especializar em anatomia, fisiologia, cultura física, mergulho, esqui e ginástica, passando também a dedicar-se a tarefa de se tornar fisicamente forte e saudável (GRAIG et al., 2003; LATEY, 2001; LANGE et al., 2000; GALLAGHER e KRYZANOWSKA, 2000).Em 1912, aos 32 anos, J.H. Pilates se mudou para Inglaterra, onde trabalhou como lutador de boxe, artista de circo e treinador de autodefesa de detetives ingleses. Quando culminou a I Guerra Mundial, J.H. Pilates foi mandado juntamente com outros alemães para um campo de batalha em Lancaster, por ter sido considerado como um "inimigo estrangeiro". Lá, ele refinou suas idéias sobre saúde e condicionamento físico e encorajou seus colegas a participarem de seu programa baseado numa série de exercícios realizados no solo. O reconhecimento inicial de sua técnica ocorreu pela constatação de que nenhum dos internos naquele campo havia sido acometido pela epidemia de gripe que matou milhares de pessoas em outros campos na Inglaterra em 1918 (GRAIG et al., 2003; LATEY, 2001; LANGE et al., 2000).No final da I guerra, J.H. Pilates foi transferido para ilha de Man onde aplicou seus conhecimentos para ajudar na reabilitação de pessoas feridas em conseqüência da guerra. Pilates então começou a experimentar exercícios com molas contidas nas próprias camas e descobriu que estas poderiam servir para condicionar os pacientes debilitados que permaneciam muito tempo deitados e sem se movimentar. Dessa forma, as molas serviam para recuperar força, flexibilidade e resistência, além de restabelecer o tônus muscular mais rapidamente (LATEY, 2001; GALLAGHER e KRYZANOWSKA, 2000).Mais tarde, o refinamento da técnica conduziu a criação de equipamentos de mecanoterapia específicos do método Pilates, como o Cadilac e o Universal Reformer, que são utilizados até hoje nos estúdios de Pilates (LATEY, 2001).Ao retornar para Hamburg, na Alemanha, Pilates refinou seus equipamentos e métodos, e trabalhou principalmente com a força policial da cidade. Em 1926, desiludido com o exército alemão, decidiu ir para os Estados Unidos, encontrando assim sua futura esposa, Clara, uma enfermeira que muito o ajudou nas sistematizações do próprio método. Juntos, fundaram um estúdio de Pilates, que se encontra até hoje em funcionamento (LATEY, 2001; LANGE et al., 2000; GALLAGHER e KRYZANOWSKA, 2000).Pouco se conhecia sobre o Pilates, que permaneceu durante muito tempo como método exclusivo do próprio J. H. Pilates, responsável por publicar apenas dois breves livros. Segundo Latey (2000), Pilates era reconhecido pelo receio da disseminação de suas técnicas e dessa forma manteve o monopólio de seu conhecimento. Somente após sua morte e também de sua esposa que notas abrangentes sobre a técnica foram publicadas.O reconhecimento internacional da técnica de Pilates somente veio nos anos 80 do século passado, com a abertura de espaço para a reabilitação de atletas e dançarinos no Centro de Medicina dos Esportes do Saint Francis Memorial Hospital, São Francisco, Estados Unidos (GALLAGHER e KRYZANOWSKA, 2000).
Princípios básicos do PilatesBaseando-se em princípios da cultura oriental, sobretudo relacionados às noções de concentração, equilíbrio, percepção, controle corporal e flexibilidade, e da cultura ocidental, destacando a ênfase relativa à força e ao tônus muscular, o Pilates configura-se pela tentativa do controle o mais consciente possível dos músculos envolvidos nos movimentos. A isto se convencionou chamar de "contrologia" (MUSCOLINO e CIPRIANI, 2004a).Assim, o método Pilates se baseia em fundamentos anatômicos, fisiológicos e cinesiológicos, e é compreendido em seis princípios, que serão discutidos com base nas referências Muscolino e Cipriani (2004a), Segal e colaboradores (2004), Craig, (2003), Latey (2001) e Lange e colaboradores (2000).Concentração: Durante todo o exercício a atenção é voltada para cada parte do corpo, para que o movimento seja desenvolvido com maior eficiência possível. Nenhuma parte do corpo não é importante e nenhum movimento é ignorado. A atenção dispensada na realização do exercício é destacada ao aprendizado motor, que é o grande objetivo da técnica.Controle: Define-se como controle do movimento o discernimento da atividade motora de agonistas primários numa ação específica. A coordenação é a integração da atividade motora de todo o corpo visando um padrão suave e harmônico de movimento. É importante a preocupação com o controle de todos os movimentos a fim de aprimorar a coordenação motora, evitando contrações musculares inadequadas ou indesejáveis.Precisão: de fundamental importância na qualidade do movimento, sobretudo, ao realinhamento postural do corpo. Consiste no refinamento do controle e equilíbrio dos diferentes músculos envolvidos em um movimento.Centramento: a este princípio Pilates chamou de Powerhouse ou centro de força, o ponto focal para o controle corporal. Constitui-se pelas quatros camadas abdominais: o reto do abdome, oblíquo interno e externo, transverso do abdome; eretores profundos da espinha, extensores, flexores do quadril juntamente com os músculos que compõe o períneo. Este centro de força forma uma estrutura de suporte, responsável pela sustentação da coluna e órgãos internos. O fortalecimento desta musculatura proporciona a estabilização do tronco e um alinhamento biomecânico com menor gasto energético aos movimentos.Respiração: Segundo Craig (2003), Joseph Pilates afirmava que freqüentemente respiramos errado e usando apenas uma fração da capacidade do pulmão. Por isto, Pilates em seu trabalho enfatizava a respiração como o fator primordial no início do movimento, fornecendo a organização do tronco pelo recrutamento dos músculos estabilizadores profundos da coluna na sustentação pélvica e favorecendo o relaxamento dos músculos inspiratórios e cervicais. O ciclo respiratório proposto pelo método ocorre na seguinte ordem cronológica: 1) Inspiração torácica; 2) Expiração do tórax superior; 3) Expiração do tórax inferior e 4) Expiração abdominal. Este ciclo deve ser sincronizado ocorrendo ao mesmo tempo da ação muscular, favorecendo o incremento da ventilação pulmonar, a melhora da oxigenação tecidual, conseqüentemente a captação de produtos metabólicos associados à fadiga. (DALTRO e FERNANDES, 2004; CRAIG, 2003; GALLAGHER e KRYZANOWSKA, 2000).Movimento Fluido: Refere-se ao tipo de movimento, que deve ser de forma controlada e contínua, deve exibir qualidade de fluidez e leveza, que absorvam os impactos do corpo com o solo e que usam da inércia, contribuindo para a manutenção da saúde do corpo. Ao contrário movimentos truncados, pesados, que criam choques no solo, levam ao desperdício de energia, além de tornar os tecidos propensos ao desgaste prematuro.
Descrição de técnicas e equipamentos do método PilatesA técnica de Pilates se divide em exercícios realizados no solo e em aparelhos. Todos eles favorecem o trabalho dos músculos estabilizadores enquanto que elimina a tensão excessiva dos músculos e compensações de movimentos envolvendo uma larga variedade de movimentos (MCMILLAN et al., 1998).Os exercícios realizados em solo se caracterizam por ser de caráter educativo, ou seja, enfatizam o aprendizado da respiração e do centro de força. Já os exercícios realizados nos aparelhos envolvem uma larga possibilidade de movimentos, todos eles realizados de uma forma rítmica, controlada, associada à respiração e correção postural.A intensidade dos exercícios desenvolvidos nos equipamentos é fornecida através das molas. Estas são classificadas através de cores diferentes que se classificam em preta, vermelha, verde, azul e amarela, em ordem decrescente de intensidade. Além de oferecerem resistência nos treinamentos, muitas vezes são usadas como assistência durante o movimento (MCMILLAN et al., 1998).Os aparelhos são descritos a seguir, conforme Daltro e Fernandes (2004):REFORMER: o primeiro equipamento construído por Pilates. Caracteriza-se por ser em forma de cama e é composto por um carrinho deslizante e cinco molas (duas vermelhas nas extremidades, uma azul, verde e amarela no meio), barra alta e baixa que podem ser utilizadas em dois níveis de alavanca, perto (mais intenso) ou mais afastado (menos intenso), dos pés da cama; cordas que são utilizadas com alças nos pés ou de mãos; acessórios (caixa longa, meia lua, plataforma).CADEIRA: é um aparelho em forma de cadeira com duas molas de mesma intensidade, pedal antiderrapante e três pares de parafusos em escalas (alavancas) que favorecem o controle de carga.CADILLAC: possui duas barras de ferro fixas a um colchão, barra de trapézio, dois pares de alça de tornozelo e coxa ajustável, duas barras móveis -uma vertical e outra horizontal, e é utilizado para os exercícios aéreos.BARREL: é um aparelho de degraus dispostos como em um espaldar com uma meia lua fixa à frente.WALL UNIT: aparelho de ferro fixo na parede e um colchão. Contem um par de molas, alças de pés e de mãos, barra móvel, cinto de segurança e dez pares de ganchos que quanto mais altos maior a intensidade impressa no exercício.COMBO CHAIR: equipamento semelhante ao wunda chair, mas que possui pedais separados para proporcionar trabalho assimétrico simultâneo. Contem dois apoios laterais de ferro, dois pares de molas, ganchos para molas, dois pedais para movimento alternado e independente que quando fixo por um bastão se transformam em um único pedal.
Considerações finaisMesmo tendo sido desenvolvido para interesses relativos à saúde, o método Pilates em princípio foi disseminado quase que exclusivamente entre atletas e dançarinos com a finalidade de melhorar o desempenho físico associado as suas práticas. Nos dias atuais, tem se tornado mais popular na reabilitação, orientação e correção postural e no condicionamento físico (SEGAL, 2004), e mais recentemente tem conquistado o interesse do meio acadêmico.Uma série de estudos tem mostrado o crescente interesse de pesquisadores na busca de evidências do método Pilates aplicado em diversos âmbitos. Desde a determinação do custo energético de sessões de Pilates (OLSON et al., 2004), registro da atividade eletromiográfica de músculos envolvidos em seus exercícios específicos (ESCO et al., 2004), comparação entre os seus efeitos sobre a força, flexibilidade e composição corporal aos de um programa de treinamento contra resistência convencional (OTTO et al., 2004), mapeamento de respostas cardiovasculares em alguns de seus exercícios (SCHROEDER et al., 2002), ação sobre o equilíbrio de idosos (HALL et al., 1999), efeitos sobre a dor lombar (GRAVES et al., 2005), até mesmo seus efeitos sobre a velocidade de atletas (SEWRIGHT et al., 2004), capacidade e habilidade de salto em ginastas de elite (HUTCHINSON et al., 1998) e postura de bailarinas (MCMILLAN et al., 1998) são alguns dos exemplos dos diversos estudos que têm sido empreendidos.Ainda assim, há uma enorme lacuna que somente será preenchida com o investimento em novos estudos. Considerando a expansão do método no ambiente fisioterapêutico, do condicionamento físico e do treinamento de atletas, necessário se faz a determinação de meios de melhor controle e do estabelecimento de cargas, caracterização da ação e do envolvimento muscular nos seus diversos exercícios, efeitos de um programa básico, intermediário e avançado sobre parâmetros da aptidão física, atuação sobre desvios posturais, dentre diversos outros.
Referências bibliográficas
BLUM, C.L. Chiropractic and Pilates Therapy for the Treatment of Adult Scoliosis. Journal of Manipulative and Physiological Therapeutics. 25(4), 2002. CRAIG, C. Pilates com a bola. São Paulo: Phorte, 2003. DALTRO, F.; FERNANDES, F. Curso de Sistema de Abordagem Corporal Fundamentado na Técnica de Pilates. Curso de Capacitação Profissional. Corpore - Centro de Desenvolvimento Físico. Salvador, n. 4, 2004. ESCO, M.; OLSON, M.S.; MARTIN, R.S. et al. Abdominal EMG of Selected Pilates' Mat Exercises. Medicine and Science in Sports and Exercise. 36(5) Suppl.: 357, 2004. GALLAGHER, S.P.; KRYZANOWSKA, R. O método de Pilates de Condicionamento Físico. São Paulo: The Pilates Studio® do Brasil, 2000. GRAVES, B.S.; QUINN, J.V.; O'KROY, J.A. et al. Influence of Pilates-based mat exercise on chronic lower back pain. Medicine and Science in Sports and Exercise. 37(5) Suppl.:27, 2005. HALL, D.W.; NICHOLS, J.; AGUILAR, L. et al. Effects of Pilates-based-training on static and dynamic balance in an elderly population. Medicine and Science in Sports and Exercise. 31(5) Suppl.: 388, 1999. HUTCHINSON, M.R.; TREMAIN, L.; CHRISTIANSEN, J. et al. Improving leaping ability in elite rhythmic gymnasts. Medicine and Science in Sports and Exercise. 30(10): 1543-1547, 1998. LANGE, C.; UNNITHAN, V.; LARKAM, E.; LATTA, M.P. Maximizing the benefits or Pilates-inspired exercise for learning functional motor skills. Journal of Bodywork Movement Therapies. 4(2): 99-108, 2000. LATEY, P. The Pilates Method: History and Philosophy. Journal of Bodywork Movement Therapies. 5(4): 275-82, 2001. MCMILLAN, A.; PROTEAU, L.; LÉBE, R.-M. The Effect of Pilates based Training on Dancer's Dynamic Posture. Journal of Dance Medicine and Science. 2(3):101-7, 1998. MUSCOLINO, J.; CIPRIANI, S. Pilates and "Powerhouse" I. Journal of Bodywork Movement Therapies. 8:15-24, 2004a. MUSCOLINO, J.; CIPRIANI, S. Pilates and "Powerhouse" II. Jounal of Bodywork Movement Therapies. 8:122-30, 2004b. OLSON, M.; WILLIFORD, H.N.; MARTIN, R.S. et al. The Energy Cost of a Basic, Intermediate, and Advanced Pilates' Mat Workout. Medicine and Science in Sports and Exercise. 36(5) Suppl.:357, 2004. OTTO, R.; YOKE, M.; MCLAUGHLIN, K. et al. The Effect of Twelve Weeks of Pilates vs Resistance Training on Trained Females Medicine and Science in Sports and Exercise. 36(5) Suppl.:356-7, 2004. POLLOCK, M.L.; FRANKLIN, B.A.; BALADY, G.J. et al. Resistance exercise in individuals with and without cardiovascular disease. Circulation. 101:828-833, 2000. SCHROEDER, J.M.; CRUSSEMEYER, J.A.; NEWTON, S.J. Flexibilty and heart rate response to an acute Pilates reformer session. Medicine and Science in Sports and Exercise. 34(5) Suppl.: 258, 2002. SEGAL, N.A.; HEIN, J. e BASFORD, J.R. The Effects of Pilates Training on flexibility and Body Composition: An Observational Study. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation. 85:1977-81, 2004. SEWRIGHT, K.; MARTENS, D.W.; AXTELL, R.S. et al. Effects of Six Weeks of Pilates Mat Training on Tennis Serve Velocity, Muscular Endurance, and Their Relationship in Collegiate Tennis Players. Medicine and Science in Sports and Exercise. 36(5) Suppl.:167, 2004.
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