domingo, 19 de julho de 2015

Acidente Cerebral Vascular

Avaliação clínica da relação entre postura, respiração e deglutição em paciente pós-acidente vascular cerebral na fase crônica: relato de caso


Sináira Santos Seixas SimãoI; Vivian Urbanejo RomeroII; Karen BaraldilIII; Adriana Leico OdaIV; Celiana Figueiredo VianaV; Ana Lucia de Magalhães Leal ChiappettaVI; Alexandre PieriVII
IFisioterapeuta; Especialista em Fisioterapia Cardiorrespiratória pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE, São Paulo, SP; Especialista em Reabilitação Neurológica pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, São Paulo SP, Brasil
IIFonoaudióloga; Mestranda em Ciências da Reabilitação pela Universidade de São Paulo - USP, Especialista em Reabilitação Neurológica pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, São Paulo SP, Brasil; Especialização em Linguagem pela Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, SP, Brasil
IIIFisioterapeuta; Docente do Centro Universitário São Camilo e da Universidade Nove de Julho; Mestre em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, São Paulo SP, Brasil
IVFonoaudióloga; Doutora em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, São Paulo, SP, Brasil
VFisioterapeuta Respiratória do Ambulatório do Setor de Investigação de Doenças Neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, São Paulo, SP, Brasil
VIFonoaudióloga; Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, São Paulo, SP, Brasil
VIIMédico Neurologista; Doutorando em Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, São Paulo, SP, Brasil; Mestre em Neurologia Vascular pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, São Paulo, SP, Brasil



RESUMO
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a doença neurológica que mais incapacita os adultos. A respiração, a postura e a deglutição possuem uma relação direta nesta doença, necessitando assim de uma intervenção multidisciplinar. O objetivo do presente estudo foi realizar uma avaliação clínica integrada para analisar a relação entres estas disfunções. Trata-se de uma paciente do sexo feminino com 37 anos, com seis anos de diagnóstico de AVC isquêmico com hemiparesia completa à direita de predomínio crural, hipertensão arterial sistêmica, disfagia e disartrofonia. Na anamnese, relatou sintomas referentes à dispnéia, dores na coluna lombar, presença de tosse e engasgos à alimentação e escape anterior de saliva, principalmente durante a fala. A paciente apresenta escoliose, hipercifose torácica e fraqueza dos músculos abdominais. A avaliação respiratória evidenciou uma força expiratória abaixo do limite esperado. O pico de fluxo da tosse está abaixo do esperado, demonstrando não possuir força para tossir. A investigação fonoaudiológica evidenciou alterações no tempo aumentado para se alimentar, necessidade de ingerir líquidos para ajudar na deglutição de sólidos, eventuais escapes anteriores de alimento, necessidade de deglutições múltiplas devido à sensação de estase em cavidade laringo-faríngea e diminuição do paladar, bem como saliva grossa e viscosa. Utilizando-se das avaliações fisioterápicas e fonoaudiológicas, foi possível concluir que uma paciente com AVC na fase crônica apresenta alterações respiratórias que podem impedi-la de proteger com eficiência as vias aéreas inferiores, o que, somado às alterações posturais e na deglutição demonstram a importância da avaliação integrada para futuras intervenções terapêuticas mais eficazes.
Descritores: Acidente Cerebral Vascular; Deglutição; Fisioterapia; Fonoaudiologia; Postura; Respiração



INTRODUÇÃO
Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a doença vascular encefálica mais frequente, sendo o tipo isquêmico o mais comumente encontrado1. As mudanças do sistema circulatório têm uma grande importância nos dados de morbi-mortalidade do país, sendo as doenças cérebro-vasculares de maior destaque. Esta em particular, representa a terceira causa de morte em países industrializados e a primeira causa de incapacidade entre adultos2, sendo a primeira causa de morte em adultos no Brasil. É considerada como a doença mais incapacitante fisicamente1,3 e de grande impacto, gerando maiores recursos em diagnóstico, tratamento e reabilitação4.
Os déficits motores apresentados nesta doença decorrem de lesões nos neurônios motores superiores que controlam os músculos e que, juntamente com os músculos da respiração, auxiliam nos movimentos do tronco5,6.
Sendo assim, os distúrbios respiratórios podem promover alterações sensoriais, posturais, motores e ocupacionais. O encurtamento dos músculos inspiratórios reduz a elasticidade e a expansibilidade da caixa torácica. Embora eles tenham que contrair, apresentam fragilidade nas atividades motoras. Vários fatores podem alterar este padrão, como a quantidade de secreção, a presença de broncoespasmo, os aspectos emocionais e comportamentais, a redução de peso e as posturas viciosas7, tendo como exemplo, a escoliose. De tal modo, podem interferir tanto na postura, quanto na respiração.
A disfagia neurogênica compreende as alterações da deglutição, resultantes de uma doença neurológica, com os sintomas e complicações decorrentes do comprometimento sensório-motor dos músculos envolvidos no processo da deglutição. Dentre as desordens neurológicas, o AVC parece ser a causa mais comum de disfagia8.
A avaliação da disfagia orofaríngea e a realização de medidas profiláticas e terapêuticas entre os pacientes parecem ser capazes de reduzir as taxas de complicações clínicas relacionadas às alterações9. A avaliação pode ser realizada por diferentes métodos. Não há concordância quanto ao padrão ideal de investigação clínica não invasiva, mas este deve incluir alto índice de sensibilidade na identificação de aspiração e segurança para o paciente durante sua aplicação10.
A respiração e a deglutição são processos fortemente coordenados que utilizam as mesmas estruturas fisiológicas. As mudanças nos dois processos são registradas após o AVC sendo de grande relevância o aumento do risco de aspiração durante alimentação11. Quanto à postura, sabe-se que grande parte dos problemas encontrados nas funções orais ocorre devido à postura corporal inapropriada12.
São de suma importância as avaliações integradas da fisioterapia e da fonoaudiologia, por permitirem uma investigação mais detalhada da postura, respiração e deglutição, o que permite um diagnóstico mais completo e integrado, para uma intervenção terapêutica interdisciplinar.
O objetivo do presente estudo foi realizar uma avaliação clínica integrada para analisar a relação entres estas disfunções.

MÉTODO
Foi realizado um estudo de caso com uma paciente, regularmente matriculada no Setor de Doenças Neurovasculares da Universidade Federal de São Paulo, onde faz acompanhamento neurológico periódico.
Os procedimentos fisioterápicos envolveram a avaliação da frequência cardíaca, da frequência respiratória e da pressão arterial, além da avaliação da mobilidade torácica, realizada por meio da palpação e medição dos perímetros torácicos (axilar e do processo xifóide).
Para a avaliação postural quantitativa, utilizou-se protocolo SAPO13, que é um Software de Avaliação Postural, e sua própria marcação de pontos. Para tanto, fez-se necessário um computador pessoal com software windows XP e uma câmera digital da marca Mitsuca DS 507IBR 5.0 megapixels, modelo DSCS85. A câmera foi posicionada sobre um tripé nivelado a uma altura de 0,75 cm, de maneira paralela ao chão, a uma distância de 2,35 metros da paciente. Utilizou-se uma folha de cartolina preta para demarcar o posicionamento dos pés com uma caneta prateada, para permanecer na mesma base de sustentação em todas as fotos. Para a primeira foto, o fio de prumo estava com referências de 1 m e 0,40 cm para calibração das imagens e os marcadores corporais de 25 mm. Assim, solicitou-se ao paciente que andasse no lugar e parasse da forma mais confortável. As fotografias foram realizadas com o indivíduo nas vistas anterior, lateral direita, lateral esquerda e posterior e analisadas posteriormente pelo sistema.
A avaliação respiratória foi composta pela mensuração da Pressão Inspiratória Máxima (PiMáx)14 e Pressão Expiratória Máxima (PeMáx)14, com a utilização de um manovacuômetro Imebras – 150, além da medida de Capacidade Vital (C.V.)15, para a qual foi utilizado o ventilômetro Ferraris Wright MK8 e a medida do Pico de Fluxo Tosse (P.F.T.)15, para o qual foi utilizado o Peak Flow Harlow Airmed CM 20 2 TT.
Para analisar alteração de equilíbrio foi utilizado a escala de BERG12 e para a avaliação cognitiva, o mini exame do estado mental (MEEM)16 e o teste do relógio17.
Os procedimentos fonoaudiológicos foram realizados por meio do Protocolo de Investigação Fonoaudiológica do Setor de Investigação em Doenças Neuromusculares da UNIFESP18, envolvendo anamnese fonoaudiológica, avaliação clínica da musculatura do sistema estomatognático, das funções de voz, da fala, da mastigação e da deglutição.
A avaliação da alimentação envolveu quatro etapas: a avaliação da deglutição de saliva, de líquido ralo, de pastoso e de sólido. O líquido ralo (água) e o pastoso (iogurte) foram administrados nas medidas de 1, 3, 5 e 10 ml e oferecidos em uma seringa descartável; e o sólido foi avaliado pela oferta de um pão francês amanhecido, conforme o Protocolo de Investigação Fonoaudiológica do Setor de Investigação em Doenças Neuromusculares da UNIFESP18.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo / Hospital São Paulo sob protocolo 1831/09. Foram apresentados os propósitos da pesquisa a paciente e a cuidadora, por meio da leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual foi assinado, após a paciente aceitar participar do presente estudo.
Ao final das coletas mencionadas, foi realizada análise descritiva dos dados e discussão.

APRESENTAÇÃO DO CASO
A paciente, L.S.L, 37 anos, sexo feminino, do lar, ensino fundamental incompleto com diagnóstico médico de Acidente Vascular Cerebral Isquêmico em hemisfério esquerdo e diagnóstico fisioterapêutico hemiparesia elástica completa à direita desproporcional de predomínio crural, após dois eventos isquêmicos, de origem cardioembólica. O primeiro foi em 2001 apresentando uma hemiparesia espástica incompleta à direita desproporcional de predomínio crural e o segundo evento em 2002, apresentando o acometimento da hemiface direita.
Na anamnese fisioterapêutica e fonoaudiológica, a paciente relatou sintomas referentes à dispnéia, dores na coluna lombar, presença de tosse e engasgos à alimentação, dificuldade em articular sons da fala e um excesso salivar, principalmente durante a fala, de antecedentes relatou ter hipertensão arterial sistêmica (H.A.S.). Negou vertigens, tabagismo, etilismo e outros vícios.
Na avaliação inicial apresentou quadro de escoliose, hipercifose torácica e fraqueza dos músculos abdominais, marcha ceifante, sem dispositivo auxiliar de marcha e incapacidade de realizar a triplice flexão (flexão de quadril, joelho e dorsiflexão), assimetria facial com maior flacidez na hemiface direita, ausências dentárias em ambas as arcadas, presença de saburra na superfície de língua e sinais de atrofia em sua lateral direita, qualidade vocal soprosa e articulação imprecisa de sons da fala.

RESULTADOS
Perante a investigação clínica fisioterápica, detectou-se: hipertonia elástica, fraqueza dos músculos abdominais e globalmente no lado hemiparético e marcha presente sem dispositivo auxiliar de marcha.
O teste de equilíbrio pela escala de BERG revelou-se satisfatória, sendo que de um escore máximo de 56 pontos, foram obtidos 55 pontos. Houve apenas dificuldade no quesito "alcançar a frente com os braços estendidos", na qual necessitava do deslocamento do centro de gravidade.
A avaliação cognitiva realizada pelo teste do MEEM e do teste do relógio demonstrou um déficit importante na cognição, o que pode ter atrapalhado no entendimento de alguns testes, porém, ela apresenta boa memória recente e para nomeação de objetos. Nas avaliações do MEEM para orientação, a paciente obteve 2 pontos de 10, para atenção e cálculo, obteve 0 pontos de 5, na avaliação de linguagem, 6 pontos de 9 e na avaliação do relógio obteve um ponto, pois conseguiu apenas desenhar o círculo do relógio.
O SAPO fornece os resultados após analisar as imagens inseridas no sistema das quatro vistas, conformeFiguras 1,2,3 e 4. Foi possível observar que a paciente apresenta anteriorização de cabeça, elevação do ombro esquerdo, flexão do tronco, espinha ilíaca ântero-superior direita mais elevada, antepulsão, anteversão pélvica e escoliose com convexidade à esquerda. O relatório gerado oferece também informações da projeção do centro de gravidade (C.G.), no qual se observou um grande deslocamento do C.G. à frente e a descarga de peso levemente inclinada para o hemicorpo esquerdo (Figuras 1 a 4).








Durante a avaliação respiratória não apresentou nenhum desconforto que pudesse atrapalhar o andamento do estudo. A avaliação respiratória evidenciou uma boa força da musculatura inspiratória, com a obtenção de um valor de PiMáx -80 CmH2O, sendo o limite inferior de -77,94 CmH2O, já a força expiratória está abaixo do limite inferior de 75,02 CmH2O, com um resultado de PeMáx de 70 CmH2O. O P.F.T. está abaixo do esperado, conseguindo apenas um valor de 200, demonstrando não possuir força para tossir. Na C.V. a mesma conseguiu um valor de 1.5 L, utilizando apenas 47% da capacidade prevista.
A investigação fonoaudiológica evidenciou as seguintes alterações referentes ao quadro de disfagia: tempo aumentado para se alimentar, necessidade de ingerir líquidos para ajudar na deglutição de sólidos secos e duros, eventuais escapes anteriores de alimento, necessidade de deglutições múltiplas devido à sensação de estase em cavidade laringo-faríngea e diminuição do paladar, bem como saliva grossa e viscosa.
A avaliação do sistema estomatognático evidenciou assimetria facial no repouso e no movimento, caracterizado por maior flacidez na hemiface direita. Em relação à oclusão: ausência de elementos dentários em arcada inferior (1º molar esquerdo, canino direito, 1º e 3º molares direito) e em arcada superior (pré e 1º molar esquerdo, pré, 1º e 2º molar direito).
O lábio apresentou-se mais horizontalizado na hemiface direita em situação de sorriso e com mais força na hemiface esquerda em bico, sendo a força muscular grau 1 (leve). A língua apresenta saburra em superfície, em quantidade moderada, desvio de ponta para a esquerda, fadiga durante a realização de movimentos isotônicos e sinais de atrofia na lateral direita, sendo a força muscular grau 1 (leve). Os bucinadores apresentaram força muscular grau 1 (leve) do lado esquerdo e grau 2 (moderado) do lado direito.
Analisando a mastigação da paciente ela mostrou um padrão deficiente, sendo a mastigação unilateral à direita (embora seja o lado com menor força), amplitude reduzida, movimento rotatório incompleto e lentificado, com corte do alimento normal e sem alteração da coordenação mastigação-deglutição.
A deglutição foi classificada como normal para saliva e líquido ralo, na quantidade de 1, 3 e 5 ml. À oferta de 10ml de líquido, apresentou voz molhada leve, sem episódios de tosse ou engasgo. Com alimento pastoso (iogurte) foram observados resíduos com 5 e 10 ml, em palato duro, palato mole, vestíbulo e dorso de língua, que não foram removidos da cavidade até a 3ª deglutição. Na ingestão de sólido (pão francês amanhecido) houve presença de grande quantidade de resíduo, mesmo após quatro deglutições. A coordenação mastigação-deglutição foi normal.
Foi evidenciado uma qualidade vocal soprosa (grau 2) e trêmula (grau 1), tempos máximos reduzidos para idade e sexo (/a/ = 9 segundos (média); /i/ = 4 segundos e /u/ = 5 segundos), sendo que durante sua emissão, apresentou instabilidade (grau leve a moderado), astenia leve, quebra de sonoridade, decréscimo de altura e intensidade (grau moderado) e leve uso de ar de reserva. O pitch foi normal, a loudness reduzida e a ressonância com uso excessivo de laringe. Em prova de resistência vocal, não mantém qualidade vocal, dinâmica respiratória, intensidade, tendo parado antes do fim da prova.
Ela apresentou-se com a fala em velocidade reduzida, prosódia alterada, com uso de frases curtas e redução de ênfase, articulação fortemente travada, gerando uma distorção evidenciada dos fonemas, pelo tipo articulatório. A fala disártrica apresenta alteração de padrão, articulação e prosódia. Não apresentou sinais referentes a dispraxia oral ou verbal.

DISCUSSÃO
No presente estudo observou-se um bom equilíbrio corporal da paciente. O alinhamento corporal e as alterações posturais afetam no posicionamento do centro de gravidade19, como demonstrado neste caso, onde a paciente não descarrega o peso para o lado comprometido.
Foi utilizado para avaliação postural a fotogrametria digital, que é uma alternativa para avaliação quantitativa das assimetrias posturais19 onde um estudo com quatro pacientes hemiparéticos20, demonstrou-se eficaz nas avaliações do mesmo.
A assimetria dos ombros apresentado neste estudo foi causada pela diminuição do movimento que gerou fraqueza muscular de rombóides, trapézio, escalenos e, consequentemente, o encurtamento de cadeia anterior com perda do controle de tronco, principalmente nos músculos responsáveis pela flexão, rotação e flexão lateral21.
Deste modo, a capacidade respiratória ideal depende de uma postura e equilíbrio muscular bom. Um desequilíbrio pode ser resultante de uma fraqueza ou paralisia, podendo afetar os volumes e as pressões que podem ser obtidas e mantidas. Os músculos abdominais muito fracos e em protrusão não são capazes de gerar pressões expiratórias máximas. A fraqueza dos eretores da espinha e do trapézio médio e inferior interfere na habilidade de retificar a coluna superior, interferindo assim na habilidade de levantar e expandir o tórax e maximizar a capacidade pulmonar22.
Segundo pesquisa sobre postura23, não há relação entre o controle postural e o alinhamento postural em adultos jovens e saudáveis. Porém, tais adequações interferem na respiração tanto no modo quanto no ritmo, desfavorecendo na coordenação com as demais funções do sistema estomatognático24. Há uma relação entre o controle postural global e as estruturas orais, portanto, havendo uma influência recíproca da postura corporal nas estruturas orais e vice-versa25.
Em relação à alimentação, a paciente apresenta queixa de engasgos e estase de alimento em região faringo-laríngea, o que é comum nestes sujeitos26, assim como a descrição do uso de várias manobras para alimentar-se, como deglutir várias vezes a saliva ou líquidos ou até mudanças na posição da cabeça e do corpo27. Porém, nem sempre o local de desconforto indicado pelo sujeito tem relação direta com o segmento anatômico responsável pela dificuldade na deglutição28, principalmente quando a paciente apresenta um déficit cognitivo, evidenciado pelos testes de rastreioaplicados. O AVC pode vir a comprometer as funções cognitivas, que envolvem processos relacionados a conhecimentos, entendimento, aprendizado, pensamento, linguagem, incluindo a percepção e o juízo29.
A participante deste estudo apresentou ausências dentárias em ambas às arcadas dentárias o que pode provocar dificuldades de mastigação e deglutição. Em pesquisa realizada em 200430, verificou-se que os sujeitos com perda dentária eram 2,7 vezes mais tendentes a relatar princípio de dificuldade de mastigação que os sujeitos sem perda de dente. Tal dificuldade mastigatória pode interferir na seleção dos alimentos em função de sua consistência. Assim, verifica-se uma associação entre a seleção de alimentos e a capacidade mastigatória31.
Tais mudanças na deglutição podem ser advindas de uma ineficiência na mastigação, uma vez que ao deglutir fragmentos grandes e pouco umedecidos, o sujeito necessita realizar maior esforço, e pode modificar a postura de cabeça e a atuação da musculatura envolvida32.
Observou-se ainda a presença de saburra lingual, placa bacteriana originada quando há a diminuição da produção de saliva ou uma descamação epitelial da mucosa bucal acima dos limites normais (ou fisiológicos) ou ainda, em ambas as situações. A redução salivar é compatível com a queixa de saliva grossa e viscosa apresentada pela paciente33.
Durante a avaliação estrutural e funcional detectou-se redução da força muscular oral, principalmente à direita, e acúmulo de alimento em cavidade oral mesmo após quatro deglutições. A presença destes sinais clínicos corrobora com pesquisas, que afirmam que a presença de lesões corticais, subcorticais e/ou no tronco cerebral ocasionam fraqueza na musculatura orofaríngea causando a incoordenação motora e a falha na sensibilidade das regiões oral e faríngea durante a ingestão de alimentos e líquidos34,35.
Outras características clínicas como a presença de "voz úmida" e alteração da qualidade vocal são descritas na literatura em sujeitos com alterações na deglutição36,37. O sinal vocal revela-se como um importante indicativo de penetração e ou aspiração, que podem ter relação com alteração do fluxo respiratório, a postura e sua coordenação com a deglutição, estabelecendo assim a importância da abordagem integrada dos mecanismos de respiração, postura, deglutição e fonação.
A paciente avaliada apresentou sinais clínicos de voz compatíveis com os comumente citados na literatura em pacientes disfágicos. Há presença de qualidade vocal soprosa (grau 2), astenia leve e loudness reduzida que podem estar relacionadas a um incompleto fechamento das pregas vocais38 ou ainda a entrada do alimento nas vias aéreas39.
Também há presença de “voz úmida” após deglutição de líquido, que indica presença de secreção no vestíbulo laríngeo ou recessos piriformes e mudança no sinal sonoro durante prova de emissão37.
Assim, as avaliações fisioterápicas e fonoaudiológicas demonstram que existem alterações de postura, respiração e deglutição em um sujeito com diagnóstico de A.V.C. na fase crônica e que essas alterações estão correlacionadas devido ao fato desses sistemas funcionarem, utilizando quase que totalmente as mesmas estruturas.
No entanto, não há evidencias na literatura da realização dessas avaliações integradas para delinear um processo de reabilitação mais completo e, portanto, mais adequado ao paciente acometido, necessitando assim de mais estudos.

CONCLUSÃO
Neste caso foi possível observar, utilizando-se das avaliações fisioterápicas e fonoaudiológica, que existe relação entre respiração, postura e deglutição em um sujeito com A.V.C. isquêmico na fase crônica. Observou-se também que a relação estabelecida permite delinear o processo de reabilitação que, sendo multiprofissional, propicia melhores resultados.

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Recebido em: 14/12/2011
Aceito em: 03/07/2012
Conflito de interesses: inexistente

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