Mobilizações póstero-anteriores na coluna lombar em voluntárias saudáveis. Avaliação da dor ao frio e à pressão: ensaio clínico cruzado*
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, Brasil.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:
A dor lombar é um problema de saúde pública e dentre as formas de tratamento fisioterapêutico são utilizadas as mobilizações articulares, como as póstero-anteriores centrais. Contudo, há uma lacuna com relação à mobilização de todas as vértebras lombares. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar os efeitos de diferentes graus das mobilizações de Maitland, em todas as vértebras da coluna lombar, em voluntários saudáveis, avaliando a intensidade de dor ao frio e à pressão.
MÉTODOS:
O estudo caracterizou-se como clínico e cruzado e composto por 15 voluntárias que receberam mobilizações póstero-anteriores, variando-se o grau entre I-IV e também em uma das semanas não receberam mobilização. As variáveis analisadas foram a intensidade de dor ao frio e o limiar de dor à pressão, prévio à mobilização (AV1), cinco (AV2) e 35 minutos após a mobilização (AV3).
RESULTADOS:
Foi possível observar que após 35 minutos da mobilização para os graus II e III houve diminuição significativa da intensidade de dor ao frio ao comparar com AV1, o que também ocorreu para os graus III e IV ao comparar com AV2. Na avaliação do limiar de pressão não houve diferenças significativas.
CONCLUSÃO:
As mobilizações produziram a partir do grau II redução significativa na intensidade de dor ao frio, mas não houve efeito com relação à dor à pressão.
Palavras-Chave: Coluna vertebral; Modalidades de fisioterapia; Terapia por exercício
INTRODUÇÃO
A dor lombar (DL) é reconhecida como um problema de saúde pública global e produz significantes custos sociais e para a saúde. Dentre as formas de tratamento fisioterapêutico há grande variedade, sendo mais facilmente observado o uso de terapia manual com mobilizações e manipulações, eletroestimulação e orientações1.
Existem técnicas dentro da terapia manual que são aplicadas no diagnóstico e tratamento da mobilidade articular. Assim, fisioterapeutas que utilizam técnicas manuais correlacionam os achados do exame com a natureza e a distribuição dos sintomas para chegar a um diagnóstico e poder selecionar um tratamento mais adequado2. Essas técnicas manuais podem ser efetivas no controle da dor, pois o toque na pele pode ser um poderoso meio de modulação da dor, e a velocidade dos estímulos proprioceptivos pode facilitar a inibição de estímulos dolorosos no sistema nervoso central (SNC)3.
Muitas das técnicas em terapia manual, por estarem associadas à aplicação de cargas através das mãos dos fisioterapeutas, dependem do treinamento da percepção manual de cada profissional. Um método bastante conhecido na terapia manual é a mobilização articular de Maitland. Esse método compreende uma série de manobras utilizadas na avaliação e tratamento de disfunções do sistema musculoesquelético. Durante sua utilização, são aplicadas cargas de forma oscilatória para a produção de movimento acessório intra-articular. Nesse método existe uma divisão da aplicação das cargas em graus de movimento. Porém, esses graus são definidos em termos qualitativos, o que pode fazer com que ocorra grande variabilidade na aplicação das cargas em cada grau4.
Os graus I e II da mobilização de Maitland correspondem à aplicação dos movimentos oscilatórios, com ritmo lento no inicio da amplitude do movimento acessório da articulação, livre da resistência oferecida pelos tecidos e são indicados nos casos de processos dolorosos articulares. Os graus III e IV são manobras que se caracterizam por movimentos oscilatórios realizados no final da amplitude do movimento acessório ou a partir da resistência dada pelos tecidos periarticulares5. A carga imposta durante a manobra grau III e IV promove a adaptação viscoelástica dos tecidos conectivos e, portanto, é indicada para recuperar os movimentos acessórios quando existir uma restrição a esse mesmo movimento6.
Uma das técnicas de mobilização articular utilizada em avaliações e tratamentos de disfunções na coluna vertebral é a técnica de pressão póstero-anterior (PA) central. Nessa técnica, o avaliador através do osso pisiforme aplica uma carga oscilatória sobre o processo espinhoso de uma vértebra de um paciente deitado em decúbito ventral. Apesar de existirem trabalhos utilizando a mobilização PA na coluna lombar, há uma lacuna com relação à mobilização de todas as vértebras deste segmento.
O objetivo deste estudo foi analisar os efeitos de diferentes graus das mobilizações de Maitland, em todas as vértebras da coluna lombar, em voluntários saudáveis, avaliando a intensidade de dor ao frio e à pressão.
MÉTODOS
O estudo é caracterizado como ensaio clínico cruzado e transversal. A amostra foi composta por 15 voluntárias, adultas jovens, do gênero feminino, alunas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus Cascavel, com idade de 21,27±0,88 anos, altura de 1,67±0,06 metros e peso de 57,93±4,83kg. Tal número de amostra foi calculado baseado em estudos anteriores com uso de dolorímetro de pressão para um desvio padrão de 4,5, e diferença a ser detectada de 5Kgf, com nível de significância de 5% e poder de 85%. No primeiro contato, foi explicado a cada voluntária as intenções e procedimentos, bem como foram questionadas sobre seu interesse em participar da pesquisa. Sendo aceito o convite e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido iniciaram-se as avaliações e técnicas de mobilização. As voluntárias não deveriam apresentar DL (crônica e/ou aguda), cirurgias sobre a coluna, distúrbios sensitivos locais e/ou em membros inferiores, infecções, gestação, traumas recentes; deveriam ter sensibilidade preservada e comparecer nos momentos e datas importantes para avaliação.
Momentos de avaliação
As voluntárias do estudo participaram do projeto uma vez por semana, durante cinco semanas. Durante quatro semanas, aleatoriamente, receberam um grau diferente de mobilização (GI, GII, GIII, GIV) juntamente com as avaliações, e em uma semana só receberam a avaliação sem a mobilização (G0). Os momentos de avaliação ocorreram em 3 vezes para cada dia: momento pré-mobilização (AV1), 5 (AV2) e 35 minutos após a mobilização (AV3).
Avaliação da intensidade de dor ao frio
A voluntária imergiu o pé dominante, até a região mais distal do maléolo medial, em um recipiente contendo água e gelo a 5º C ± 1, mantidos por 30 segundos, sendo o controle de temperatura realizado com o auxilio de um termômetro de mercúrio da marca Incoterm®. Depois de 30 segundos a voluntária foi questionada quanto à intensidade de dor, por meio da escala analógica visual (EAV). Tal escala consistiu de um aparato de madeira, que de um lado apresentava um cursor metálico móvel, em que a voluntária marcava a posição entre "0" (sem dor) e "10" (máximo de dor imaginável), e no outro lado havia uma régua disposta inversamente, permitindo quantificar em centímetros a intensidade indicada pela participante.
Avaliação do limiar de dor à pressão
Para avaliação da dor à pressão foi utilizado um dolorímetro de pressão (Kratos®), com capacidade de produzir até 50 Kgf, com ponta circular de 1cm2, o qual foi aplicado sobre o processo espinhoso da 3ª vértebra lombar do indivíduo, logo após a avaliação pela EAV.
Protocolo de mobilização
Para a mobilização as voluntárias receberam a técnica PA central em todos os processos espinhosos da coluna lombar, por um minuto cada. Duas terapeutas realizaram as mobilizações, porém, visando evitar vieses, não havia revezamento nas voluntárias, ou seja, mobilizavam sempre os mesmos indivíduos.
As voluntárias permaneceram em prono, com os braços ao lado do corpo. A terapeuta ficou do lado esquerdo e posicionou a borda ulnar da mão esquerda, região dos ossos pisiforme e hamato, em contato com o processo espinhoso da vértebra a ser mobilizada. A mão esquerda foi então reforçada pela direita em forma de concha com a aproximação das eminências tênar e hipotenar, em cima da superfície radial da outra mão. Assim, deixando os dedos médio, anular e mínimo direitos entre o indicador e polegar esquerdos, e fazendo com que o indicador e o polegar esquerdos fiquem por cima do dorso da mão esquerda, obteve-se estabilidade segurando a palma da mão esquerda entre a eminência tênar e os dedos médios, anular e mínimo da mão direita. Os ombros do terapeuta ficaram em equilíbrio por cima do paciente, com cotovelos ligeiramente flexionados.
O estudo foi realizado em cinco semanas, sendo que em quatro semanas a voluntária recebeu graus intercalados de mobilização e em uma semana ela foi somente avaliada, de forma aleatória, sendo que em cada semana havia três voluntárias para cada subgrupo, sorteadas aleatoriamente. Os graus de mobilização foram:
Grau I - movimento de pequena amplitude próxima à posição inicial do percurso;
Grau II - movimento de grande amplitude dentro do percurso. Ele pode ocupar qualquer parte do percurso que estiver livre de qualquer rigidez ou espasmo muscular;
Grau III - movimento de grande amplitude, porém dentro de rigidez ou espasmo muscular, no final da amplitude;
Grau IV - movimento de pequena amplitude executado forçadamente dentro da rigidez ou espasmo muscular, no final da amplitude.
As voluntárias receberam as mobilizações logo após o primeiro momento de avaliação (AV1) e depois ocorreram as avaliações como já descrito.
Para a análise dos dados utilizou-se o teste ANOVA para medidas repetidas, com pós-teste de Bonferroni, com nível de significância de α=5%.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) sob parecer nº 242/2011.
RESULTADOS
Para a avaliação de dor ao frio, realizada com a EAV, foi possível observar diminuição da intensidade da dor apenas para a última avaliação, quando utilizada a mobilização a partir de GII. Na comparação entre os grupos não houve diferenças significativas (Tabela 1).
Graus | AV1 | AV2 | AV3 | |
---|---|---|---|---|
Escala analógica visual | G0 | 3,94 ± 2,09 | 4,19 ± 2,17 | 3,33 ± 2,64 |
GI | 4,95 ± 3,08 | 4,79 ± 3,08 | 3,70 ± 2,86 | |
GII | 4,70 ± 2,98 | 4,50 ± 2,64 | 3,36 ± 2,58 * | |
GIII | 4,75 ± 2,37 | 4,65 ± 2,72 | 2,84 ± 2,13 *º | |
GIV | 3,90 ± 2,35 | 4,36 ± 2,69 | 2,86 ± 2,42 º |
Diferença significativa ao comparar, dentro do grupo, com AV1
°
Diferença significativa, dentro do grupo, ao comparar com AV2.
Limiar de dor à pressão
Na avaliação do limiar de dor à pressão, em nenhum dos grupos foi possível observar diferenças significativas (Tabela 2). Entre os grupos também não houve diferença significativa.
DISCUSSÃO
A terapia manual é um instrumento eficaz no tratamento de DL7. Terapeutas buscam em sua avaliação sinais de rigidez na coluna de pessoas com lombalgia, objetivando tratá-la8. Porém, existem controvérsias no que diz respeito à rigidez predizer resultados clínicos como dor e incapacidade9. Contudo, apesar das controvérsias, as mobilizações da coluna apresentam como principais resultados a inibição da dor induzida por um estimulo mecânico, que pode ocorrer por meio da criação de depressão em longo prazo da função sináptica do SNC, além da melhora da amplitude de movimento da coluna lombar10,11. No presente estudo, foi utilizada a técnica PA em todo o segmento lombar, a qual produziu uma redução da intensidade de dor ao frio.
Um estudo anterior, também utilizando a mobilização PA, mas em pacientes com DL, mostrou que a mobilização pode reduzir a intensidade da dor quando o paciente se move ativamente, sendo que o protocolo utilizado foi de três repetições de um minuto cada e a magnitude da força de mobilização foi selecionada pelo terapeuta de acordo com o paciente12.
De forma concordante, foi observado no presente estudo que a intensidade de dor ao frio foi reduzida com a aplicação das mobilizações, a partir do grau II, fato não observado tanto para o grupo controle (G0) quanto para o grau I. Os mecanismos exatos para alívio da dor ainda não são estabelecidos, mas possíveis explicações são teorias como a das comportas e de supressão descendente mediada pela substância cinzenta periaqueductal. Em estudo que utilizou mobilizações PA sobre L3, com variações na pressão entre 50 e 200N, sendo que estas alternaram desde grandes até semiestáticas oscilações, os autores observaram como resultados redução no limiar de dor à pressão em todas as variações13.
Tal resultado não foi observado na avaliação do limiar de dor à pressão no presente estudo, porém, vale novamente salientar que foram mobilizadas todas as vértebras lombares o que pode ter gerado desconforto pela pressão ter ocorrido em mais de um segmento. Ainda, deve-se levar em consideração que, no presente estudo, as mobilizações foram realizadas por duas acadêmicas, que apesar de terem recebido treinamento, apresentavam pequena experiência com o uso da técnica, a qual mesmo para terapeutas experientes, segundo estudos, há pobre confiabilidade no desempenho dos graus de mobilização5,14. Outra limitação do estudo foi o fato de ter sido um estudo cruzado, o que pode gerar efeito do carregamento, apesar de que para tentar diminuir tal efeito havia um intervalo de sete dias entre as mobilizações.
Sugere-se assim que novas pesquisas possam ser realizadas com terapeutas mais experientes avaliando a ação das mobilizações em mais de um segmento. Salienta-se ainda que a ausência de alterações na dor induzida pelo frio para o grau I não significa que este não possa produzir efeitos hipoálgicos15, mas, que para indivíduos sem dor prévia, tal estímulo mostrou-se insuficiente para gerar mecanismos atenuadores, assim tornam-se relevantes pesquisas com mobilizações em mais de um segmento em portadores de dor lombar aguda e crônica.
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Recebido do Laboratório de Estudo das Lesões e Recursos Fisioterapêuticos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel, PR, Brasil.
AGRADECIMENTOS
REFERÊNCIAS
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Recebido: 10 de Setembro de 2012; Aceito: 14 de Janeiro de 2014
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